Um grupo de orcas na costa Ibérica está se aproximando de barcos de formas bastante físicas, chegando até a danificar ou parar essas embarcações.
Algumas pessoas falam em “ataques” – mas afinal, o que são essas interações?
As interações físicas das orcas com embarcações começaram em Maio de 2020 no estreito de Gibraltar, e se espalharam rapidamente pela população e pelo território da península Ibérica, indo até a costa da Espanha na região da Galícia.
Desde então, aconteceram mais de 500 interações, e em 3 delas os barcos foram afundados: em 31 de junho e 1 de novembro de 2022, e em 4 de maio de 2023. Em todos os casos, as pessoas foram resgatadas com segurança – mas alguns barcos infelizmente foram de comes e bebes.
O aumento rápido desse comportamento levou à criação de um grupo de trabalho composto de instituições locais, cientistas e órgãos administrativos (e até ciência cidadã!) pra entender o que está acontecendo e como lidar com esses eventos. E o que sabemos até agora?
A maioria das interações segue um padrão:
- primeiro, as orcas se aproximam pela popa (parte de trás do barco) de forma rápida e furtiva, e geralmente a tripulação não percebe que elas estão chegando;
- daí elas nadam pra baixo do barco, e iniciam uma série de movimentos que parecem ser de curiosidade, ficando de lado ou com o ventre pra cima;
- depois começam a encostar no barco, às vezes batendo a cauda ou soltando bolhas;
- e por fim elas se concentram no leme, empurrando com a cabeça ou fazendo um movimento de alavanca com o corpo que faz o leme girar – e com isso o barco todo vira, às vezes 360 graus.
Normalmente, assim que o barco para, elas perdem o interesse.
Fatos curiosos sobre as interações:
- a maioria aconteceu durante o dia, ao redor do meio dia, e duram entre meia hora a 2 horas
- barcos a vela são os mais atacados, e tem um tipo de leme que elas preferem também (chamado em inglês de “spade rudder”)
Os indivíduos que interagem com barcos já foram identificados e até receberam nomes: o primeiro nome é sempre Gladis, e o segundo varia de um pro outro. Gladis surgiu em homenagem a um dos primeiros nomes comuns desses animais: ORCA GLADIATOR – ou seja, “orca gladiadora”.
Cientistas também já identificaram a organização social dessas orcas e sabem que geralmente elas se dividem em dois grupos:
- Gladis Negra e a Gladis Peque, que são irmãs, junto com a Gladis Gris
- Gladis Blanca, sua filha Filabres e suas irmãs, Clara e Dalila
Inclusive, desde o estudo de 2022 já foram identificados novos indivíduos e as suas relações familiares (setinhas verdes). Também sabemos que as matriarcas Gladis Herbille e Gladis Lamari aparecem ocasionalmente mas nunca interagem com os barcos, ficam apenas observando.
Qual a origem desse comportamento? Por enquanto ainda não sabemos com certeza, mas há três hipóteses principais: (a) fado temporário, (b) resposta de indivíduos que se machucaram em algum encontro com barcos, ou (c) curiosidade natural. Vamos ver cada uma:
Fado temporário?
- Fados são comportamentos que surgem, se espalham rapidamente e depois vão embora – e não possuem uma função aparente (ou seja, são modinhas). Existem vários registros de fados em orcas, um exemplo muito conhecido são as que começaram a nadar com salmões na cabeça em 1987.
Resposta a um acidente?
- Uma das das orcas que (supostamente) originou esse comportamento, a Gladis Blanca, teria sofrido um acidente com um barco e começou a realizar esse comportamento como forma de defesa – que outros indivíduos começaram a aprender e copiar.
Curiosidade?
- Orcas são inteligentes e curiosas, e gostam de brincar, especialmente juvenis – que são a maioria das Gladis interagindo com barcos. Elas brincam com objetos ao seu redor, como algas, e muitas vezes se aproximam de barcos por curiosidade.
Aprendizado social é uma forma comum com que as orcas adquirem novos comportamentos. O espalhamento rápido dessas interações com barcos sugere que as orcas estão aprendendo umas com as outras – algumas imitando as próprias mães, outras copiando jovens da mesma idade.
A população de orcas ibéricas é uma comunidade única e criticamente ameaçada, formada por 39 indivíduos que se alimentam principalmente de atum-rabilho. Esse atum também é alvo de pesca, então interações entre orcas e pescadores acontecem com frequência.
Nos vídeos divulgados para o público, é possível ver a força do impacto – mas o nível de estrago não é compatível com um comportamento agressivo. As orcas são animais extremamente poderosos, e se estivessem realmente agindo de forma violenta, o dano seria bem maior.
Embora muitas manchetes estejam usando a palavra “ataque”, até agora esses comportamentos lembram muito mais uma brincadeira/socialização em grupo. Mas obviamente isso causa danos porque orcas são ENORMES, chegando a 6.5 m em Gibraltar (barco para escala).
O importante agora é estudar melhor essa população e desenvolver um protocolo para as pessoas que estão operando barcos na região (o que já está sendo feito). Assim, podemos evitar acidentes e continuar a convivência com as orcas, respeitando a casa delas <3
Fontes & notícias:
https://www.nucleo.jor.br/poligono/2023-05-26-poligono-orcas/